A Substância: O horror de ser uma mulher que envelhece
Quem está definindo quem é a melhor versão de você mesma?
Quando eu era uma pré adolescente, eu e minhas amigas da escola éramos obcecadas em filmes de terror, mais especificamente O Exorcista.
Era um ritual: casa da Mima (minha BFF1 até hoje), pipoca recém estourada e cobertores pra cobrir os olhos nas piores cenas. Eu assisti esse filme tantas vezes, que a imagem da menina possuída Regan, com aquele sorriso macabro e o rosto todo cortado de água benta, ficava gravada na minha mente por várias noites seguidas, com uma nitidez assustadora.
Não vou colocar a imagem aqui, pelo bem da nossa energia espiritual, tá?
Filmes de terror com espíritos me traumatizaram tanto que uma vez fui ao cinema e passei a sessão INTEIRA encolhida na poltrona, com os olhos fechados e as mãos tampando os ouvidos e murmurando um “lalalala” ininterruptamente, como se isso fosse me proteger do puro caos acontecendo na tela.
Basicamente, paguei pra ter um ataque de pânico no escuro.
E foi assim que eu declarei minha aposentadoria dos filmes de terror.
Corta para 2025. Aqui estou eu, escrevendo esse pequeno contexto e me perguntando: PRA QUÊ não é mesmo!? rs
Um filme indicado ao Oscar e um belo dia
A verdade é que já faz anos que não assisto a nada desse gênero. Primeiro, porque minha imaginação é absurdamente realista, e eu fico pelo menos uma semana sem dormir só de ouvir uma história macabra. Segundo, porque NÃO, né?
Meu sistema nervoso merece mais calma e menos estresse gratuito e, de preferência, zero motivos pra acordar às 3 da manhã achando que tem algo me observando no escuro.
Mas aí chega um belo dia – o belo dia: ontem – em que eu resolvo assistir um filme que está concorrendo ao Oscar e sendo muito comentado por mulheres no meio do autoconhecimento: A Substância2.
O que eu sabia? Que era um filme sobre envelhecimento e juventude, estrelado pela Demi Moore, e que tinha um tom meio perturbador.
O que eu não sabia? Que em algum momento eu estaria genuinamente horrorizada, me perguntando como fui de “vou ver um filme indicado ao Oscar” para “vou precisar de terapia depois disso”.
Um aviso: Contém pequenos spoilers abaixo.
um tapa na cara sobre como nos vemos.
O filme fala sobre autoimagem, obsessão, medo do esquecimento e o que acontece quando a gente terceiriza a própria existência. Quando a busca por uma “melhor versão” deixa de ser crescimento e vira um projeto de autopunição embalado com rótulos de autocuidado e evolução pessoal.
Melhor versão para quem, exatamente?
A gente vive sob essa obsessão da melhor versão – uma entidade abstrata, que ninguém nunca viu, mas que todo mundo jura que existe num futuro “logo ali”.
Uma versão de nós mesmas que se encontra logo ali, depois de acordar às 5h da manhã com disposição, fazer um grande sucesso, ter o corpo de “dar inveja”, ler 50 livros por ano, que sempre sorri e nunca se irrita porque tem inteligência emocional.
Ela nunca desagrada.
Uma das coisas mais impactantes no filme, pra além de todo o sangue jorrado e um final estilo Carrie, A Estranha, é assistir essa obsessão por 2 ângulos:
Pelos olhos de uma sociedade ultra machista e,
Pelos olhos da mulher que comprou essa idéia.
vamos explorar cada um deles.
“Garotas bonitas devem sempre sorrir”
Diz o diretor do programa, como um lembrete de que a beleza feminina não existe para si mesma, mas para ser vista, desejada e consumida.
Uma das coisas que mais me marcou foi a forma como o filme mostra o olhar sobre o corpo feminino: sempre que a câmera mostra Sue – a versão jovem e perfeita da protagonista – ela nunca aparece inteira. Sempre em fragmentos: os quadris balançando com movimentos sensuais, a bunda empinada, a boca levemente mordida de lado…
Ela não é uma pessoa completa. Ela é um monte de partes desejáveis.
No filme, a versão mais jovem da protagonista representa a substituição da mulher real pela mulher ideal — desejável e adequada — que só existe no mundo das ideias, ela não tem existência própria. Nem ela mesma se sustenta até o final da história.
Ela se torna essa coisa que é grotesca, desconfigurada, fragmentada e desumanizada, assim como a própria psique após tanta auto-rejeição.
Movida pela fome de ser vista, reconhecida e admirada, a versão mais jovem consome toda a vida original (Elizabeth), e então essa mulher é impedida de viver seus ciclos naturais, aliena-se da própria identidade, até se tornar irreconhecível pra si mesma.
Quem decidiu que essa versão de agora não é suficiente?
Elizabeth Sparkle comprou a ideia. E, em algum momento, todas nós compramos também.
Pode ser que você tenha acreditado que, se fizer tudo certo, se mantiver dentro dos moldes, se parecer jovem, leve, desejável o suficiente, nunca perderá seu espaço.
O próprio filme retrata essa guerra entre a mais jovem e a mais velha – duas versões da mesma mulher lutando entre si, se destruindo, se sabotando. Elas acreditam que são inimigas, quando, na verdade, são a mesma coisa.
O que me fez lembrar de um dos livros que estou lendo agora, Ódio a Si Mesmo, de Alain de Botton. Ele fala sobre como as pessoas passam a vida em conflito consigo mesmas. Como se fossem duas pessoas dentro de uma só:
Aquela que erra e aquela que julga.
Aquela que sente e aquela que exige que ela seja diferente.
Um pulo na vida “real”
Ontem, enquanto me horrorizava com o filme, postei um story no meu instagram:
Duas mulheres lindas e nuas no chão do banheiro.
Em 30 minutos, mais de 1.2k de views. Em 24h, quase 6k.
Nunca tive essa quantidade de views tão rápido.
Meu pensamento foi direto para uns anos atrás, quando assisti alguns stories da taróloga
, onde ela contava que fez um teste na plataforma e percebeu que suas visualizações dobravam quando ela aparecia seminua (biquíni ou sutiã), em comparação com os stories onde falava sobre autoconhecimento ou outros assuntos relevantes.Não sei vocês, mas acho que isso tem tudo a ver com o papo que tivemos hoje.
Eu teria muito mais para falar sobre esse filme.
Poderia fazer inúmeras correlações com a vida real - e com a busca, não da sua melhor versão, mas da sua versão mais jovem. Como, por exemplo, inserir substâncias no próprio corpo sem nem saber os efeitos colaterais e o real preço a ser pago. As “Sephora Kids”3 e os limites do culto à juventude e como isso pode influenciar o futuro das novas gerações, entre muitas outras coisas - pode inserir as suas coisas nos comentários também :)
Mas, nesse momento, vou deixar apenas esses dois olhares aqui e uma reflexão sobre aquilo que escolhemos enxergar em nós mesmas.
🌿 Um pequeno ritual pra você:
Se esse texto te fez refletir sobre como você se enxerga, tem uma meditação minha sobre acolhimento e presença que pode ser um bom começo → CLIQUE AQUI
Essa meditação é um caminho para interromper o ciclo de autocrítica e autoabandono que o filme A Substância reflete tão bem.
Essa prática te ajuda a fazer o contrário: te reconecta com a sua essência, com o seu corpo e com a sua história de forma amorosa. Ao acolher sua criança interior, liberar os pesos do passado e reconhecer seu valor além da aparência ou do desempenho, você começa a construir uma relação mais verdadeira consigo mesma.
Entre uma coisa e outra:
ACEITAÇÃO RADICAL , TARA BRACH: Um livro muito legal pra quem está com dificuldades de aceitar partes de si mesma, a própria história ou até mesmo a sua realidade.
Se ninguém ainda te falou isso hoje: só pra te lembrar que a sua versão de hoje já é tão incrível quanto poderia ser. Que você é linda e que o mundo é muito melhor porque você existe nele.
Me conta de você?
Quero saber: você já assistiu A Substância?
Adoraria saber quais foram as suas percepções sobre o filme ou sobre o que falamos aqui! Então, escreva pra mim nos comentários, vou adorar te ler :)
com amor e aloha,
BFF = Best Friends Forever (melhores amigos para sempre), ou seja: basicamente, sua alma gêmea na amizade.
A Substância (The Substance, 2024) é um terror psicológico estrelado por Demi Moore, que aborda obsessão com juventude e padrões de beleza de forma perturbadora. A trama acompanha uma mulher que descobre um tratamento revolucionário para rejuvenescer, mas logo percebe que há um preço assustador por trás dessa promessa. O filme mistura body horror, crítica social e tensão crescente, deixando o espectador desconfortável do começo ao fim.
Sephora Kids é um termo usado para descrever crianças e pré-adolescentes que viralizaram nas redes sociais por adotarem rotinas de skincare elaboradas, usando produtos caros e muitas vezes desnecessários para a idade. O fenômeno gerou debates sobre consumismo, influência digital e a precocidade no mundo da beleza.
É isso!!! Grata demais pelo texto e pelas sugestões
Adoreiiii, você foi muito cirúrgica com o posicionamento. Eu ainda estou impactada com este filme.